Vale a pena ler de novo: a novela da Reforma Tributária - Hauer & Esmanhotto

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Vale a pena ler de novo: a novela da Reforma Tributária

Em dois artigos, um de 1995 e outro de 2016, o fundador do nosso Escritório, GEROLDO AUGUSTO HAUER, tratava desse “novo tema”, chamado Reforma Tributária, trazido novamente à tona, agora, ao que parece, em um esforço conjunto do Executivo e do Legislativo, com a entrega da primeira parte da reforma tributária do atual Governo ao Congresso, o Projeto de Lei nº 3.887/2020, que prevê a unificação de PIS e COFINS, os dois tributos federais sobre o consumo.

Temas mais complexos, como a inclusão de tributos estaduais nesse imposto único, mudanças no Imposto de Renda e alteração da carga tributária, segundo o Ministério da Economia, devem ficar para uma segunda fase, ainda sem data definida para apresentação e protocolo.
Já vimos essa novela, mas vale a pena ler de novo:

 

“CONTA-GOTAS NÃO FAZ REFORMA TRIBUTÁRIA – maio 1995

A alternativa do Governo Federal constante de uma proposta para implementação da reforma tributária gradual ao longo de dez anos, é reforma nenhuma! Não é possível acreditar na seriedade de intenção dos cultos técnicos dos Ministérios envolvidos, notadamente o da Fazenda, ao noticiarem na semana a elaboração de outra proposta de implantação do futuro sistema tributário, a ser instalado em operação conta-gotas. Parece mais uma confissão de arrependimento do propósito antes firme, de reformar o que aí está. E para não dar a mão à palmatória em vésperas de eleições, inventa-se um modelo que de nada serve. Areia nos olhos, apenas.

A reação dos Estados às ideias que estão voando por aí, é mais de defesa contra o desconhecido, que venha atingir o atual nível de participação na partilha do bolo dos impostos – essa mesma, que a União considera insustentável. Evidente que não se trata de reagir contra o princípio que no anúncio inicial das reformas de Fernando Henrique constava, qual seja, o de virar do avesso o momento e o fato, passando da tributação da produção para o do consumo. São Paulo é que se
indispôs a isso, pois teria efetivamente o que perder, maior produtor de mercadorias tributáveis que é. Passar o forte da imposição fiscal, da origem para o destino das mercadorias, produtos e serviços, não é passe de mágica, mas sim, passo estratégico definitivo para conseguir modulação do orçamento de todos os estados brasileiros, quantos deles, quase que meros consumidores.

Ora, uma modificação que atinge a raiz da política econômica, ou se faz de uma só vez, ou não se faz nunca. Basta recordar como foi feita a reforma ao tempo do regime militar, passando do ICV Imposto de Vendas e Consignações, para o então ICM, atual ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Comunicação e Transporte Interestadual e Intermunicipal. Embora criado durante o regime de exceção, sem interferência ou participação das representações políticas, nem por isso o novo sistema foi implantado sem melhores estudos. Pelo contrário, durante mais de ano foram conclamados os Doutos a opinar, discutir e produzir, sob a supervisão de Roberto Campos e Bulhões. Pronto o projeto, entrou ele em vigor de uma só passada, e por inteiro, no dia primeiro do ano de 1967. Isto quanto ao tributo estadual, sem falar de importantes modificações no âmbito federal, que de Imposto de Consumo, virou IPI Imposto sobre Produtos Industrializados.

Impossível implantar uma modificação (com cara de reforma), paulatinamente, no decurso de uma década. Os entrechoques que inevitavelmente advirão, têm de ser resolvidos com a maior rapidez. Imagine-se prolongá-los e, pior, multiplicá-los durante cento e vinte meses, durante os quais perdurarão as indefinições, ensejando conflitos entre os estados e perante a União, visto que as divergências surgidas no primeiro dia influirão nos eventos programados pela lei para acontecerem ao perpassar dos dez anos. Temos certeza, de outro lado, que embora achemo-nos agora em regime democrático, um bom projeto merecerá a aprovação do Congresso para implantação imediata e total. Demora, sim, é até mesmo aconselhável, ditada pela profunda análise e discussão do projeto. Mas logo que concluído, deve substituir o sistema atual de uma
só virada. Com reforma gota-a-gota nunca chegaremos lá, tal o tumulto que se instalará nesta sofrida república.”

 

“REFORMA TRIBUTÁRIA, QUANDO? – Junho 2016

Matéria para discussão na Câmara dos Deputados e Senado seguida de sanção presidencial, ora se ressente de receio de um ou dos dois Poderes simplesmente rejeitarem iniciativas. Há poucos dias um deputado federal mexeu no assunto, num ano eleitoral, fato que por si já significa óbice ao processamento no Congresso, para tema tão antigo, cuja resistência está quase completando duas décadas. Nesse tempo algumas modificações foram feitas a título de “reforma fatiada”, com algumas ideias de vigência em cinco anos. Note-se, entretanto, que o essencial longe está de sair do terreno das desavenças políticas (temos vinte partidos) sem a menor consideração para com o desenvolvimento econômico do país, que vem a ser a "fusão" do ICMS ao IPI.

Nos países nos quais foi implantado o IVA (Imposto sobre o Valor Agregado), Impot sur le Valeur Ajuté francês, mesmo sistema alemão Mehrwertsteuer mostrou-se seguro, confiável, justo, equânime e suportável, trazendo progresso para a respectiva nação. Aqui a ideia de sua implantação tem causado arrepios, desavenças, guerras políticas interestaduais, notadamente entre o nordeste e o sul.

Outro ponto a ser totalmente reformado este sim, combatido pelo país inteiro é a mantença e crescimento em números e valores das Contribuições tipo PIS/COFINS, Funrural, CPMF e acréscimos à Previdenciária. Falta dinheiro nos cofres públicos, recorre-se a uma contribuição provisória para vigência quinquenal e passado o período esquece-se de derrogar sua exigência, ao contrário, instado o Executivo via Judiciário, responde informando que a arrecadação está sendo destinada para programa social querendo justificar a continuidade já então ilegal de sua cobrança.

A pressão dos empresários a cada dia mais avultada, com reivindicações exercida há dez, vinte anos consecutivos, leva o governo a conceder paliativos em lugar de reformas, como a exemplo redução de alíquota; diferimento; dilação de prazo de pagamento; financiamento subsidiado; crédito presumido. Seria mais sensato reformar o sistema tributário, para mesmo não sacrificar a arrecadação, exigir os impostos mais adequados a cada campo de atividades e aplicar proporcionalmente as verbas orçamentárias. Afinal, já não somos tão atrasados como há vinte anos passados. E temos cientistas da economia e de finanças públicas que podem ser chamados, para chegarmos um pouco mais perto dos países ditos desenvolvidos, onde o contribuinte presencia a aplicação das verbas governamentais em obras públicas e ganhos compatíveis aos seus funcionários.

Vimos ser apresentados e volatilizados ora na Câmara, ora no Senado, projetos como o formulado pela Confederação Nacional das Indústrias em 1994, seguido de outro do Governo em meados de 1995. Neste mesmo ano ao menos foi aprovado o fim do ICMS nas exportações. Verdade que foi introduzido o Pedágio nas rodovias, mas este é bom em qualquer país, destinado à melhoria das vias e suportado somente pelos usuários. Em 1998 escrevemos que “(…)Fatores políticos de alta densidade parecem impedir que em ano eleitoral se mexa com a arcada tributária, pois facilmente se colocarão em risco os interesses eleitoreiros contrariáveis pelas interpretações de novos textos. (…)”

Alardeava-se uma reforma, até mesmo virando do avesso a tributação da produção para a do consumo. Em 2000 foi proposta extinção do PIS/COFINS na industrialização para exportação. Mas havia o receio da fusão das duas contribuições resultarem em outro tributo. E assim os projetos de reforma rolam até hoje. E pouco ou nada resultou. Ela terá de ser corajosamente realizada. Quando?

Geroldo Augusto Hauer
geroldo@gahauer.com.br

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